Ditoso seja aquele que somente
se queixa de amorosas esquivanças;
pois por elas não perde as esperanças
de poder n'algum tempo ser contente.
Ditoso seja quem, estando absente,
não sente mais que a pena das lembranças;
porque inda que se tema de mudanças,
menos se teme a dor quando se sente.
Ditoso seja, enfim, qualquer estado
onde enganos, desprezos e isenção
trazem o coração atormentado.
Mas triste quem se sente magoado
de erros em que não pode haver perdão,
sem ficar n'alma a mágoa do pecado!
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Presença bela, angélica figura,
em quem, quanto o Céu tinha, nos tem dado;
gesto alegre, de rosas semeado,
entre as quais se está rindo a Fermosura;
Olhos, onde tem feito tal mistura
em cristal branco e preto marchetado,
que vemos já no verde delicado
não esperança, mas enveja escura;
Brandura, aviso e graça que, aumentando
a natural beleza c'um desprezo
com que, mais desprezada, mais se aumenta;
São as prisões de um coração que, preso,
seu mal ao som dos ferros vai cantando,
como faz a sereia na tormenta.
(Luis Vaz de Camões) - Sonetos
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