02/03/08

VOLTAMOS A FALAR DE DEMOCRACIA...


---- Os maiores receios de Tocqueville não eram infundados. Eles são descritos numa passagem do capítulo 6º. do Livro II, onde podemos tentar compreender um pouco da sua dramática teoria:
---- " Tento encontrar novos traços sobre os quais o despotismo pode surgir no mundo. A primeira coisa que observo é uma imensa variedade de homens, todos iguais e parecidos, que fazem todos os possíveis para obter os prazeres mesquinhos e desprezíveis, com os quais preenchem as suas vidas. Cada um deles, vivendo deparadamente, é como um estranho para o destino de todos os outros; os seus filhos e os seus amigos privados constituem toda a humanidade. Quanto ao resto dos seus concidadãos, está próximo deles mas não os vê; toca-lhes, mas não os sente; existe apenas em si próprio e para si próprio; e se os seus parentes faleceram, pode dizer-se que perdeu o seu país. Acima desta raça de homens surge um poder imenso e tutelar, que se encarrega de assegurar as suas gratificações e de vigiar o seu destino. Esse poder é absoluto, breve, regular, providente e moderado. Funciona como a autoridade de um pai - se, como essa autoridade, o seu objectivo fosse o de preparar os homens para a idade adulta - ; mas procura, pelo contrário, mantê-los numa infância perpétua: contenta-se com o regozijo das pessoas, desde que não pensem em nada mais que não seja regozijar-se.
---- Este tipo de governo trabalha intrépidamente pela sua felicidade, mas escolhe ser o único agente e o único árbitro dessa felicidade; trata da sua segurança, prevê e fornece as suas necessidades, facilita os seus prazeres, gere as suas preocupações principais, dirige a sua indústria, regula a passagem da propriedade e subdivide as suas heranças; o que resta, a não ser poupá-los a qualquer pensamento e à maçada de viver.".
---- Esta passagem não é mais que um exercicio de retórica, exagerada, políticamente incorrecta e mais que meramente snobe para o gosto moderno - dir-se-á - e além do mais será apenas uma imagem do isolamento social, que estará a ser exagerado - mesmo que muitos sociólogos modernos tenham mencionado termos algo similares, como "a multidão solitária", "alienação", "anomia" ou "jogar bowling sózinho" -, mas é completamente sério e obriga-nos a pensar em questões primordiais, mais do que os resultados da próxima eleição ou naquilo que os vizinhos pensam. Esta passagem foi mal interpretada como uma profecia do totalitarismo nos meados do século XX - ignorando o "providente e moderado"; mas trata-se precisamente do contrário. Tocqueville não afirma que os indivíduos serão iniciados numa ideologia e mobilizados para a acção por um líder ou por um partido, mas que serão atordoados até perderem qualquer tipo de interesse na acção política corporativa. A questão assemelha-se mais à imagem sarcástica do proletariado, por Orwell, na obra "1984", rebaixado como uma cena de terror (uma sátira sobre o seu presente e os nossos amanhãs). Talvez a passagem de Torcqueville tenha algo em comum com uma crítica social conservadora ultrapassada sobre os efeitos prováveis do estado social, o que agora, infelizmente, parece ser tão usualmente aceite que as pessoas perderam a noção do seu significado.
---- Mas... talvez se trate apenas de uma crítica à sociedade de consumo.
---- Continua

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