Por vezes, dou comigo a pensar como seria bem melhor poder fazer uso de alguns artifícios narrados nas lendas de Portugal, especialmente no que respeita a coisas relacionadas com a justiça, a verdade, a felicidade das pessoas... e então dou comigo a recordar lendas do País, como é exemplo
A LENDA DO GALO DE BARCELOS.
Ora atentai:
Ora, isso aconteceu já
lá vão quase novecentos anos. Nesses tempos remotos as pessoas não tinham uma
idéia de fronteira, clara e nítida, como aquela que nós temos hoje. Esses
portugueses, nossos antepassados, veneravam S. Tiago e invocavam a sua
proteção, com a mesma fé com que nos nossos tempos veneram Santo António, como
se o santo fosse uma espécie de avô simpático e bonachão de quem se lembravam
nos momentos difíceis.
As pessoas deslocavam-se
a Compostela para pedir uma graça ao Apóstolo, tal como hoje recorrem à ajuda
de um amigo influente. Para lá chegarem caminhavam léguas e léguas, dormiam ao
relento, comiam por caridade, numa choupana ofereciam-lhes uma tigela de sopa,
mais adiante um camponês repartia com eles o seu pão escuro.
Humilde, vestido de
estamenha (hábito de frade), um peregrino seguia o seu caminho, a estrada de
Santiago, apoiado no seu grosso bordão. Talvez porque não fosse tão pobre como
outros, pernoitava nas estalagens.
Na noite em que este
homem encontrara abrigo na pequena hospedaria de Barcelos, uma aldeia nos
confins de Portugal, já muito próxima da Galiza, nessa noite, dizia eu, quis a
pouca sorte que o dono do estabelecimento tivesse dado pela falta de uma bolsa
com moedas de ouro que era toda a sua fortuna.
Algumas pessoas tinham
passado lá o serão, comendo, bebendo, contando histórias e conversando numa
grande algazarra, sentadas diante de uma grande lareira onde ardia um enorme
tronco, enquanto esbravejavam com a animação e agitavam canecas de vinho por
cima das cabeças. Qualquer deles poderia ter sido o larápio, mas eram todos
vizinhos, conhecidos e amigos de longa data, pelo que o estalajadeiro não
desconfiou dos seus clientes habituais. Esta razão foi quanto bastou para que
as suspeitas recaíssem sobre o nosso peregrino, suspeitas logo seguidas da
acusação:
- Ladrão! Foste tu, só
podes ter sido tu, que aqui toda a gente se conhece. Não escapas, vais ver! O
juiz logo te dirá! Verás o que te espera!
E assim foi. O juiz
sentenciou o homem como tendo sido ele o autor do roubo, apesar de as moedas
não terem sido encontradas na sua posse, e logo ali o condenou a morrer na
forca.
Quando o carrasco o
conduzia para o meio da praça onde ia ser executada a pena, o peregrino
lembrou-se de pedir:
- Esperem! Levem-me
outra vez ao juiz, que eu ainda tenho uma coisa para lhe dizer.
Após alguma hesitação,
o homem foi levado à presença do juiz que estava agora sentado à mesa e se
preparava para se banquetear com um belo capão (galo) assado
que estava na sua frente, temperado e tostado que fazia crescer água na boca.
- Meu senhor, ouvi
mais uma vez que estou inocente do crime de que me acusam. Tomo Nossa Senhora
por minha testemunha e aqui mesmo lhe peço que me faça um milagre. Se aquilo
que eu digo for verdade, e eu estiver inocente, esse galo que tendes na vossa
frente e vos preparais para comer, agora mesmo tornará à vida, se levantará e
cantará!
Naquele preciso
momento, o galo deu um pulo dentro da assadeira e começou a cantar.
Os presentes ficaram
boquiabertos e de olhos esbugalhados. Nunca tal se vira.
O homem tinha
conseguido provar a sua inocência e ao juiz apenas restou deixá-lo ir-se embora
em paz.