21/10/12

A LENDA DO GALO DE BARCELOS

Por vezes, dou comigo a pensar como seria bem melhor poder fazer uso de alguns artifícios narrados nas lendas de Portugal, especialmente no que respeita a coisas relacionadas com a justiça, a verdade, a felicidade das pessoas... e então dou comigo a recordar lendas do País, como é exemplo
A LENDA DO GALO DE BARCELOS.
Ora atentai:

Eram tempos de devoção aqueles, em que os cristãos firmavam e consolidavam a sua presença no Reino de Portugal que acabava de se tornar independente do Reino de Castela para, a partir de então, seguir o seu próprio destino.
Ora, isso aconteceu já lá vão quase novecentos anos. Nesses tempos remotos as pessoas não tinham uma idéia de fronteira, clara e nítida, como aquela que nós temos hoje. Esses portugueses, nossos antepassados, veneravam S. Tiago e invocavam a sua proteção, com a mesma fé com que nos nossos tempos veneram Santo António, como se o santo fosse uma espécie de avô simpático e bonachão de quem se lembravam nos momentos difíceis.
As pessoas deslocavam-se a Compostela para pedir uma graça ao Apóstolo, tal como hoje recorrem à ajuda de um amigo influente. Para lá chegarem caminhavam léguas e léguas, dormiam ao relento, comiam por caridade, numa choupana ofereciam-lhes uma tigela de sopa, mais adiante um camponês repartia com eles o seu pão escuro.
Humilde, vestido de estamenha (hábito de frade), um peregrino seguia o seu caminho, a estrada de Santiago, apoiado no seu grosso bordão. Talvez porque não fosse tão pobre como outros, pernoitava nas estalagens.
Na noite em que este homem encontrara abrigo na pequena hospedaria de Barcelos, uma aldeia nos confins de Portugal, já muito próxima da Galiza, nessa noite, dizia eu, quis a pouca sorte que o dono do estabelecimento tivesse dado pela falta de uma bolsa com moedas de ouro que era toda a sua fortuna.
Algumas pessoas tinham passado lá o serão, comendo, bebendo, contando histórias e conversando numa grande algazarra, sentadas diante de uma grande lareira onde ardia um enorme tronco, enquanto esbravejavam com a animação e agitavam canecas de vinho por cima das cabeças. Qualquer deles poderia ter sido o larápio, mas eram todos vizinhos, conhecidos e amigos de longa data, pelo que o estalajadeiro não desconfiou dos seus clientes habituais. Esta razão foi quanto bastou para que as suspeitas recaíssem sobre o nosso peregrino, suspeitas logo seguidas da acusação:
- Ladrão! Foste tu, só podes ter sido tu, que aqui toda a gente se conhece. Não escapas, vais ver! O juiz logo te dirá! Verás o que te espera!
E assim foi. O juiz sentenciou o homem como tendo sido ele o autor do roubo, apesar de as moedas não terem sido encontradas na sua posse, e logo ali o condenou a morrer na forca.
Quando o carrasco o conduzia para o meio da praça onde ia ser executada a pena, o peregrino lembrou-se de pedir:
- Esperem! Levem-me outra vez ao juiz, que eu ainda tenho uma coisa para lhe dizer.
Após alguma hesitação, o homem foi levado à presença do juiz que estava agora sentado à mesa e se preparava para se banquetear com um belo capão (galo) assado que estava na sua frente, temperado e tostado que fazia crescer água na boca.
- Meu senhor, ouvi mais uma vez que estou inocente do crime de que me acusam. Tomo Nossa Senhora por minha testemunha e aqui mesmo lhe peço que me faça um milagre. Se aquilo que eu digo for verdade, e eu estiver inocente, esse galo que tendes na vossa frente e vos preparais para comer, agora mesmo tornará à vida, se levantará e cantará!
Naquele preciso momento, o galo deu um pulo dentro da assadeira e começou a cantar.
Os presentes ficaram boquiabertos e de olhos esbugalhados. Nunca tal se vira.
O homem tinha conseguido provar a sua inocência e ao juiz apenas restou deixá-lo ir-se embora em paz.